domingo, 30 de setembro de 2012

Aceitando a provocação

Recentemente um amigo mandou-me uma estocada via Facebook, fazendo apologia ao governo Lula, com o comunicado Ipea que fala da desconcentração da renda no Brasil (aqui entrevista do presidente do órgão). Vou aceitar a provocação e comentar a publicação.
De princípio, uma lembrança deve ser feita, o método utilizado para estimar a concentração de renda é muito ruim. Pessoas mentem ao falar sua renda, principalmente os mais ricos, e o estudo é todo baseado em autodeclaração. Levando-se em conta que é um estudo temporal, e imagino que o método não mudou ao longo do tempo, pode-se acreditar que o erro é mantido constante na série e que a tendência demonstrada é o retrato da realidade: a desconcentração de renda realmente está ocorrendo. Trabalho com essa hipótese.
O comunicado em si, porém, é decepcionante. Além de ser mais um veículo de defesa dos programas de transferência condicionada* (cujo maior exemplo é o bolsa-família), ele não toca nos motivos que levaram à desconcentração. Faz apenas um exercício de contabilidade demonstrando a movimentação das rendas pelas diversas "classes sociais". Tampouco prova que a ação governamental, como queria demostrar o provocador do Facebook, é responsável direta por essa mudança estrutural da sociedade. Até mesmo a Bolsa-família, tão incensado pelo comunicado pelo sua eficácia a custo baixo, parece-me pouco afeito a tamanha revolução.
Informa o comunicado que o bolsa-família é o mais "progressivo" dos fatores, mas, pergunto eu, como pode ser progressivo um elemento que transfere dinheiro dos impostos quando os impostos são, no Brasil, dos instrumentos mais regressivos que existem? Se os mais extorquidos são os de menor renda, é possível dizer que as bolsas têm contribuindo para diminuir a disparidade? Elas não estariam, no máximo, fazendo uma redistribuição na qual os mais pobres contribuem proporcionalmente mais? Os muitíssimo pobres não estariam financiando os miseráveis? Não tenho respostas para essas perguntas, mas elas me fazem duvidar da conclusão dos técnicos do Ipea de o Bolsa-família ser o veículo governamental de melhor desempenho para baixar o Coeficiente de Gini.
Quanto às demais ações governamentais, creio que as implementadas pelos governos petistas ainda não tiveram tempo de surtir efeito estrutural sensível sobre a distribuição de renda no país. Quaisquer que sejam essas ações, e, que me lembre agora, só vejo duas ações com esse potencial - a reforma da previdência dos servidores públicos e a ampliação do ensino superior (uma terceira seria a desoneração de impostos sobre a folha salarial, mas essa precisa ainda ser consolidada para que possa ser levada a sério) -, elas levam décadas para surtir efeito na estrutura social.
As grandes mudanças sociais que permitiram essa desconcentração de renda foram, na minha opinião, por grau de importância:

  1. a queda da taxa de natalidade ocorrida nas décadas passadas, marcadamente na de 1970;
  2. a universalização dos ensinos fundamental e médio iniciada na chamada década perdida (anos de 1980) e completada durante o governo FHC;
  3. controle da hiperinflação, que é uma ação conjuntural, mas, por atingir mais fortemente aos mais pobres, desconcentra renda violentamente, ocorrida no governo Franco e continuada pelos demais;
  4. mudança dos termos de troca, nacional e internacionalmente, dos intensivos em capital para os intensivos em trabalho;
  5. abertura relativa da economia iniciada pelo Governo Collor, e continuada, com reservas, pelos governos Franco e FHC, que permitiu a atuação da mudança número 4, e,
  6. fim do processo de êxodo rural.
E claro que provar essas inferências demandariam trabalhos acadêmicos que eu não vou realizar, inclusive por falta de competência para tanto, porém fica claro que minhas convicções quanto aos governos petistas não saíram nem um pouco arranhadas após a publicação do comunicado Ipea. Até que se prove o contrário, e acho difícil que o façam, eles continuam sendo incompetentes e pouco contribuíram para o progresso da nação, ao contrário do que quer fazer crer meu amigo provocador.



* Tenho certa reserva pelos benefícios de transferência condicionada devido ao imenso poder que estes conferem ao governo de plantão sobre os beneficiários.

sábado, 15 de setembro de 2012

Comportamento normal

Ouçam o áudio:
Concordo com o Haddad, é normal as pessoas fragilizadas mudarem de versão recorrentemente, basta ter como exemplo o padrinho de sua candidatura Lula "eu não sabia- fui traído - o PT fez apenas o que se faz recorrentemente - não houve mensalão" da Silva.
No PT, inclusive, parece haver uma epidemia de normalidade.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A questão da oferta

Dois textos de hoje dão o pontapé inicial para a questão da oferta barrando um produto interno bruto mais robusto (aqui e aqui). O engraçado é que as nossa brilhante equipe econômica não vê as coisas do mesmo modo e procura limitar ainda mais a oferta interna por essas bandas.
Ou seja, estamos, para não dizer em português mais claro, malajambrados.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A nota da presidente


Cada um vê benção no lugar que lhe dê na telha, mas é bom dar uma limpadinha nas lentes cor-de-rosa com as quais dona Dilma enxerga o governo passado, mesmo porque não contestou nenhuma das imputações feitas por Fernando Henrique Cardoso ao governo passado. Deve, então, concordar com o ex-presidente em suas alegações e, não sei por quais motivos, gosta de carregar a pesada cruz que recebeu. Pesada e, aos olhos dela, bendita.
Segue a nota:
Citada de modo incorreto pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo publicado neste domingo, nos jornais “O Globo” e “O Estado de S. Paulo”, creio ser necessário recolocar os fatos em seus devidos lugares.
Recebi do ex-presidente Lula uma herança bendita. Não recebi um país sob intervenção do FMI ou sob a ameaça de apagão.
Recebi uma economia sólida, com crescimento robusto, inflação sob controle, investimentos consistentes em infraestrutura e reservas cambiais recordes.
Recebi um país mais justo e menos desigual, com 40 milhões de pessoas ascendendo à classe média, pleno emprego e oportunidade de acesso à universidade a centenas de milhares de estudantes.
Recebi um Brasil mais respeitado lá fora graças às posições firmes do ex-presidente Lula no cenário internacional. Um democrata que não caiu na tentação de uma mudança constitucional que o beneficiasse. O ex-presidente Lula é um exemplo de estadista.
Não reconhecer os avanços que o país obteve nos últimos dez anos é uma tentativa menor de reescrever a história. O passado deve nos servir de contraponto, de lição, de visão crítica, não de ressentimento. Aprendi com os erros e, principalmente, com os acertos de todas as administrações que me antecederam. Mas governo com os olhos no futuro.
Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil

Ps1: Ela deve entender de tentativa menor de reescrever a história, pois seu partido tenta fazê-lo de maneira grandiosa desde sempre.
Ps2: Se for verdade que o estadista pensa na próxima geração, enquanto o político comum pensa na próxima eleição, Lula é o anti-exemplo de estadista..
Ps3: As ações governamentais parecem contradizer as palavras presidenciais quanto às condições que herdou. Falhas as palavras ou as ações?