sábado, 28 de maio de 2005

Pois é, a ética

E o Suplicy, sendo atacado porque resolveu seguir seus princípios?
A idéia era a seguinte, a bancado do PT votaria pelo sim, mas apenas se não houvesse mais jeito, aquele típico gesto para agradar a torcida. Depois que tudo estivesse resolvido, a CPI encaminhada, se estivesse, os senadores votariam em bloco pela abertura da mesma. Caso não fosse alcançado o número mínimo, ninguém assinava e ficava tudo por isso mesmo. Bonito, né?
E como Suplicy roeu a corda, os demais senadores ficaram contrariados. Ele não cumpriu o acordo com eles, coitadinhos.
Pois é, pessoal, nossos representantes têm uma opinião para a tarde e outra para a noite. Assinar a CPI quando nada está definido não pode, quando tudo está pode. E quando algum não é Maria-vai-com-as-outras os demais fazem birra, como em um grupo de adolescentes.
Até acredito que a fidelidade partidária é um bem para o sistema, mas a verdade é que não votamos nos partidos para nos representarem. Votamos em pessoas que estão, transitoriamente, filiadas a um partido. E se é assim, devemos crer que a consciência destes deve prevalecer aos desígnios da liderança do partido. Se não, que se mude o sistema político, a reforma não está aí a anos para ser votada e ninguém se mexe?
Evento após evento, discurso após discurso, bravata após bravata; os nossos políticos e partidos mostram que são sim, farinha do mesmo saco. E que gostam disto, pois na geléia geral, ou mar de lama como pensam alguns, podem fazer das suas sem ter que por a cabeça para fora da multidão e se destacar, para o bem ou para o mal.
Nosso imprensa sensacionalista não faz nada para diferenciá-los – no máximo diz que há bons e maus – e eles vão seguindo ou, citando Chico Buarque, “ ...a gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando essa....”

quinta-feira, 26 de maio de 2005

E o vendaval?

Lula chamou o tsunami da Ásia de vendaval, Alckmin poderia chamar as chuvas de ontem disto também, pois elas podem ter arrasado uma de suas plataformas de campanha para a presidência da república.
Havia sido a três anos a última vez que o rui Tietê apresentou enchente, e não poderia ser em pior hora que veio acontecer novamente para Alckmin. Bem, pensando bem, poderia, caso fosse no ano que vem, que é o verdadeiramente importante para as pretensões dos presidenciáveis.
Se formos ver criteriosamente, a enchente não foi nada desastrosa comparando com o que poderia ter sido. Apesar das seis mortes que ocorreram no Estado, lembranças de tempos não tão remotos nos levam a crer que poderia ser bem pior. Primeiro pela intensidade da chuva, que dizem foi a mais forte das últimas quatro décadas. Depois pelo inusitado da época, dois meses depois da temporada de temporais, as famosas águas de março, pegando grande parte da população desprevenida.
Outro fato que deve ser levado em conta é o das marginais ficarem intransitáveis apenas após esta anomalia meteorológica. Mostra que as obras realizadas deram resultado.
Caberá a Alckmin tentar comunicar isto aos eleitores, mas o sonhado discurso de ter resolvido o problema de enchentes na marginal, esqueça, não poderá ser usado.
É mais uma arma que nosso governador perde apenas um ano antes da campanha.

Fiquem Robinho e outros mais

Como já escrevi em um texto anterior, não acredito que o êxodo de jogadores de futebol leve necessariamente ao enfraquecimento do nosso esporte, já que obriga a uma renovação constante de jogadores. Mas existe um porém.
Em um momento que o fenômeno esportivo move multidões e fortunas, ter pessoas com empatia com o público (possíveis consumidores) é uma mina de ouro, e é nisto que os clubes devem pensar antes de simplesmente vender, vender e vender.
Quando um time estrangeiro vem ao Brasil contratar uma de nossas promessas por milhares de dólares, não o faz por caridade, mas esperando obter lucro com a transação. Também não é por generosidade que jogadores dos times de ponta do futebol figuram entre os atletas mais bem pagos do mundo. Se estão nesta lista invejável é por que dão retorno financeiro, além do esportivo.
Foi amplamente noticiado que as contratações “galácticas” anuais do Real Madrid (Figo, Zidane, Ronaldinho, etc) deram retorno financeiro antes mesmo de pisarem no gramado, simplesmente com a venda de camiseta com o seu nome. Então, se o Real Madrid pode contratar estrelas anualmente e ainda obter retorno com isso, por que os times brasileiros não conseguem ao menos manter as que têm no elenco?
Será que único lugar onde o marketing funciona no mundo do futebol é o continente europeu? E de modo generalizado, para países como Ucrânia e Bélgica terem mais poder de atração para jogadores que o Brasil?
Mesmo levando-se em conta as desigualdades, nosso país tem uma economia muito maior do que estes dois, por exemplo ( como pode ser observado na seguinte página, http://www.nationmaster.com/graph-T/eco_gdp_ppp ).
Se não consegue segurar os jogadores, é muito mais uma questão de mal-gerenciamento do que falta de recursos. Senão, como explicar que jogadores que são ídolos aqui mias apenas desconhecidos lá, podem ter maior valor para os clubes europeus do que para os brasileiros?
Como entender que Robinho valha mais para o Real Madrid, que fica em uma cidade onde ninguém o conhece, do que para o Santos, situado em um estado no qual o movimento “Fica Robinho” já tomou as ruas?
Na verdade não vejo explicação. Muito do apelo que os times estrangeiros têm para nossos atletas é pelo deslumbramento do povo brasileiro por tudo que está lá (fora do Brasil), mas ninguém, ou quase ninguém, deixaria um local onde está adaptado e é ídolo, para ganhar menos em uma aventura no estrangeiro.
Se não conseguimos ao menos igualar as ofertas para que Robinho e companhia fiquem, não temos que culpar a situação geral do país, e sim a inoperância de nossos dirigentes esportivos que, perante o vasto arsenal de possibilidade de capitalizar os clubes com a imagem dos atletas, prefere usar apenas uma forma, a venda dos mesmos.

terça-feira, 24 de maio de 2005

Quase

Estamos vivendo uma fase de quases na política nacional.
Primeiro foi o quase virgem Severino e agora é a quase saída do governo do P.T.B., para ajudar o presidente. Não que ele vai sair de fato; só, segundo a manchete da rede Bandnews, “colocará quase todos os cargos à disposição”.
O problema é que para certas coisas o quase não existe. Apesar do que disse o Severino, não há ninguém quase virgem, como não existem também os quase honestos ou quase independentes.
Então a questão é. O que o governo e o P.T.B. ganham com isso depois da porta arrombada?
O governo nada, seguramente. Se aceitar os cargos de volta, o que duvido, ou não, é a mesma coisa. Deixa a impressão que estava com um ninho de cobras em seu cerne e que nada fez, até as denúncias estourarem. No mínimo a imagem que fica é a de marido traído, no máximo de incentivador dos ofídios.
Como o estrago já está feito, resta tentar demonstrar que não era coisa generalizada, que foi apenas o erro de um funcionário do décimo escalão. Que a administração vai bem, obrigado e que as coisas só tendem a melhorar.
Já o P.T.B. tem muito a ganhar com a indignação e a jogada da saída. Ele - na verdade eles, já que um partido não tem vontade própria - demonstrará desapego ao poder. Mostrará que não necessita dos cargos para nada. Só os utilizava para ajudar o governo a fazer um serviço melhor. Pode até ser verdade, mas convenhamos, você acredita? E tudo isso apenas com a possibilidade, remota, de que Lula aceite os desligamentos.
De qualquer forma restará o quase. Severino era quase virgem ao casar, P.T.B. disponibiliza quase todos os cargos, o Atlético Paranaense foi quase campeão, o governo quase ...

Uma verdadeira paixão nacional?

Capa das três revistas semanais de informação mais tradicionais que temos, a corrupção parece ser o tema do momento.
Veja e Época passeiam pelo assunto genericamente enquanto Istoé se concentra em uma denúncia de desvio de dinheiro da Igreja Universal para contas em paraíso fiscal, que teria a participação de senador Marcelo Crivella.
A profusão de reportagens sobre o assunto leva a crer que a corrupção está alcançando um novo estágio no Brasil; estaria muito mais aprofundada hoje do que já foi no passado.
Apesar das denúncias e comprovações quase diárias de falcatruas e malversações de verbas nos diversos níveis de governo e até da sociedade civil (como é o caso da denúncia envolvendo a Universal) não há nenhuma evidência concreta de que ela está crescendo.
A corrupção está incrustada na alma do nossa sociedade e aparece até em ocasiões acima de qualquer suspeita. Isto está na raiz de atos corriqueiros, como o oferecimento de cafezinho aos policiais em ronda pelas padarias e lanchonetes. Não é um ato de reconhecimento pelo bom serviço, mas um “incentivo” a permanecer mais tempo próximo ao estabelecimento em detrimento do resto da rota.
Para ilustrar melhor deixe-me contar três lembranças a respeito do tema.
Minha mãe tem um tio, hoje aposentado, que foi durante grande parte da vida fiscal da fazenda estadual. Não enricou, que era costume se falar pras bandas de Goiás, ao contrário de outros colegas do mesmo cargo. Entre os colegas e parentes, esta inaptidão para a corrupção não era vista como uma qualidade, muito pelo contrário. Se todos faziam, por que não ele?
Quando estava fazendo estágio obrigatório de curso técnico que freqüentei no segundo grau, o motor do carro do meu chefe fundiu. Somos a um desmanche para procurar um outro motor. Chegando lá, fomos atendidos pelo dono do estabelecimento que, se dizia policial, nos informou que o motor, e qualquer outra peça que quiséssemos poderia estar disponível no dia seguinte, sem ao menos consultar seu estoque e o de seus colegas de comércio de peças usadas. De se desconfiar, não?
É claro que fizemos a pesquisa em horário de serviço, que ninguém é de ferro.
Recentemente, voltando como caronista do nordeste, tive a possibilidade de verificar a atuação das polícias rodoviárias de nosso país. O caminhão em que estava foi parado em quase todos os postos que haviam no caminho. Rigor na fiscalização? Antes fosse.
Era apenas uma paradinha estratégica para que o caminhoneiro pudesse fazer sua contribuição “voluntária” aos policiais.
Com base nestas lembranças percebe-se que a corrupção está muito mais presente do que se parece, e não é de hoje.
Esta onda de visibilidade é apenas mais uma mostra de que a sociedade está aprendendo a vê-la menos como um fato da vida. Ela está assumindo uma outra face, a de um mal que deve ser combatido para o bem de toda a sociedade. Uma paixão nacional, no sentido de sofrimento que a palavra assume.

segunda-feira, 23 de maio de 2005

Energia alternativa

Na revista Istoé desta semana há uma reportagem sobre o Proinfa (Programa de incentivo às fontes alternativas de energia).
Segundo a revista, por uma série de erros dos gestores do programa, está se comprando mais do tipo de energia mais caro e menos do mais barato.
Só que há um porém. Caro e barato são critérios relativos, ou você nunca ouviu sua avó dizendo que o barato sai caro.
As três maneiras de se conseguir energia, da tarifa mais alta para a mais barata, citadas pelo texto são por meio de usinas eólicas, hidrelétricas de pequeno porte e de biomassa.
Se formos observar a tarifação, veremos que há um sentido ecológico. Elas estão na ordem inversa de impacto ambiental. Não sei se este foi um critério para a remuneraçã – desconfio que sim – mas caso tenha sido, acertou em cheio na tentativa de implementar formas menos predatórias de se conseguir gerar energia.
Só não acho correto julgar uma medida de fomento de mudança na matriz energética apenas pelos valores brutos das tarifas. Se esse fosse o caso nunca teríamos o Pró-alcool, que no início era profundamente subsidiado pelo governo federal.
Menos válido ainda é julgá-la por ações judiciais de empresas que se sentiram lesadas.
Quanto ao valor da tarifa deve-se levar em conta que o não-impacto ambiental, ou a redução do mesmo, também traz lucros sociais e econômicos para a comunidade em geral, que podem e devem ser precificados. Se esta precificação está correta ou não, cabe a estudos técnicos decidir e só aí sim julgar.
Quanto à ação judicial, o fato de ser ainda cabível de recurso não nos autoriza a acreditar que tudo está errado com relação ao Proinfa.
Mesmo porque um juizado de primeira instância pode ser adequado para dizer se as leis e regras foram cumpridas, mas do ponto de vista técnico o órgão a ser consultado é a Aneeel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A matriz energética é uma questão central para o progresso de uma nação. Discuti-la apenas com base na tarifa é uma simplificação perigosa.
Basta ver que a opção norte-americana pelas termoelétricas (de baixo custo de implantação e operação) leva a uma dependência exagerada do petróleo estrangeiro, e a todos os ônus que isto traz.

quinta-feira, 19 de maio de 2005

É time no nacional

Existia uma velha máxima da política, nos tempos da ditadura, que dizia “onde a Arena vai mal, é time no nacional, e onde vai bem, bota um time também”. Hoje as coisas são diferentes, ninguém faz demagogia com times de futebol – se bem que se fomos matutar ainda existe a bancada da bola e vem aí a timemania - só que, pode ser apenas coincidência, sempre que estoura um escândalo no governo, a Polícia Federal estoura um esquema de corrupção. Se o governo vai mal, chama a Federal; se vai bem, chama ela também.
O bom de tudo isso é que, como escândalo é o que não falta aqui, a Polícia Federal está aparecendo mais do que nunca. Nem dá tempo de repercutir uma ação, ou operação (nome mais ao gosto do comando da instituição). Em um dia é a maior quadrilha de contrabandistas do Brasil, no outro um bando de fraudadores da previdência social que movimenta bilhões, e no seguinte um esquema milionário de desvio de verbas do programa de merenda escolar.
Apesar de, paradoxalmente, cada prisão dar àqueles que dizem ser a impunidade imensa no país mais munição, isto mostra que a chance dela estar diminuindo é muito grande.
Só resta pedir aos nossos políticos e gestores públicos que cessem um pouco a maré no chamado “mar de lama”. Os policiais federais também são gente e precisam de um tempinho para descansar. E as nossas cadeias, carceragens e prisões já estão superlotadas.
E talvez seja tempo dos jornalistas darem um tempo no uso de adjetivos quando o assunto for crimes, a quantidade de vezes que se ouve, ou lê, milionário, maior e outros nomes para dizer intensidade do delito, não para de aumentar. Podemos acabar cansando o público ou fazendo-os crer que quando o crime envolve menos que seis zeros, não vale a pena comentar.

quarta-feira, 18 de maio de 2005

A grande marcha

No nosso país, marcha e parada não são coisas que remetem a guerra, mas a festa.
No Jornal Nacional de ontem, por exemplo, um operador de turismo relatou que a Parada Gay de São Paulo é um sucesso entre os turistas porque ao contrário das normais que existem mundo afora, nas quais o que vigora é o protesto, é muito festiva.
Porém não é a Parada Gay nosso assunto, nem mesmo uma marcha – embora há uma marcha na história. O assunto é o M.S.T. e suas idéias.
Ontem se encerrou a Marcha do Movimento dos Sem-Terra, que estava se portando mais como uma caminhada até que alguns quebra-quebras ocorreram, então foi uma marcha mesmo, beligerante. Entre as reivindicações que foram entregues às autoridades havia duas um tanto quanto inusitadas: a da proscrição dos transgênicos e a exigência, por parte do governo brasileiro, para que os norte-americanos retirem suas tropas do Iraque.
O inusitado da primeira não é tanto pela bandeira, uma vez que os transgênicos costumam ser cultivados por agricultores, mas sim pelo desconhecimento de caso. Em uma entrevista concedida à revista Época da semana passada, João Pedro Stedile, coordenador nacional do movimento afirmou que este é contra os transgênicos porque eles exterminam a biodiversidade.
Se formos examinar o discurso veremos que ele é duplamente errado. A transgenia é, por definição, um aumento de diversidade genética e o perigo para a biodiversidade não é oferecido por ela; é pela agricultura de modo geral, por menos agressiva que esta seja ao meio-ambiente. O ato de se fazer agricultura é o de escolher, entre determinadas variedades, aquelas que mais se adaptam as suas necessidades, excluindo as demais. A transgenia apenas acelera ou radicaliza o processo.
A segunda reivindicação é inusitada porque explicita o que o M.S.T. é. Um projeto político de tomada do poder, no qual a menor das preocupações é o assentamento de famílias.
Não que seja errado tentar a tomada de poder pela ideologia. O problema é quando isso é feito de forma escamoteada; só pode gerar conflito.
Querendo chegar ao poder, recrutando militância e se recusando a institucionalizar sua situação legal, como partido político ou mesmo uma O.S.C.I.P. (organização da social civil de interesse público), o M.S.T. mostra o desprezo pelas regras da sociedade em que está inserido.
Conflitos em que as partes não se respeitam podem descambar para a luta corporal ou armada. Isto já acontece nos rincões pela posse da terra. Espero que não se generalize pelo restante da sociedade.

terça-feira, 17 de maio de 2005

Continuando

A respeito da coluna de ontem, não que as histórias tenham desaparecido completamente do cinema, nem que todos os filmes do passado tivessem roteiristas maravilhosos, mas temos que admitir que o enredo ficou em segundo plano por um bom tempo, principalmente no cinema norte-americano.
Se no passado existiam filmes que eram apenas veículos para a música e/ou dança, como os musicais, hoje temos alguns que são veículos para a venda de mercadorias, em uma inversão da lógica de mercado anterior.
Se antes se pensava em fazer um filme para depois se vender produtos relacionados, caso este fosse bem-sucedidos, hoje se pensa em uma linha de produtos para depois se construir um enredo e encaixá-la na história.
Algo que pode mostrar como são completamente diferentes os processos, é a da construção dos personagens da comédia “A pantera cor-de-rosa” (The pink panther, 1964), cuja abertura e o encerramento mostraram ao mundo um personagem que viria a ter lugar no mundo como um dos mais cultuados desenhos animados de todos os tempos, e da animação “Toy Story” (idem, 1995), que teve intricadas negociações contratuais que levaram os produtores a vetar este ou aquele personagem – Barbie foi cogitada como par romântico do vaqueiro Wooody.
Ambos os filmes conseguiram resultados além do esperado e são plenamente satisfatórios como entretenimento e legaram séries de animação posteriores, porém a visão de que uma personagem concebida apenas para a abertura de um filme se tornasse o sucesso que foi a pantera cor-de-rosa escancara algo que os marqueteiros (sic) de hoje chamariam de ingenuidade.
As diferentes propostas podem ser vistas também nas versões modernas de filmes antigos. Tomemos como exemplo os dois “Professor aloprado” (The nutty professor, 1963 e 1996), no primeiro, com Jerry Lewis como ator principal, o aloprado em questão é um professor de química nerd que utiliza seus conhecimento para inventar uma fórmula que lhe dá o que faltava para se tornar um garanhão – auto-confiança – enquanto que no segundo, com Eddy Murphy, a fórmula mudá-lhe completamente o corpo, abrindo flancos para uma infinidade de efeitos especiais e maquiagem. A comédia de situação passa a ser algo muito mais físico, ou até além disto.
Este predomínio da forma sobre o conteúdo, que dominou o cinema norte-americano com a chegada da geração de diretores que tem como expoentes George Lucas e Steven Spielberg e teve como ápice os anos noventa do século passado, parece estar declinando. Veremos o que emergirá no futuro.

segunda-feira, 16 de maio de 2005

Nostalgia do que não vivi

Na semana daquele que será o maior lançamento cinematográfico do ano - o sexto (ou terceiro, depende de como se encara) “Guerra nas Estrelas”: “A vingança dos Sith” - assisti a um filme na tv que me fez refletir sobre o cinema ao qual temos acesso hoje.
Este filme foi “Ensina-me a viver” (Harold and Maude, 1971), rodado antes mesmo do meu nascimento. Uma certa nostalgia do que não vivi se passou porque o filme se baseia simplesmente na história; ao contrário das superproduções de hoje, que são mais veículos para mostrar as inovações tecnológicas da indústria do entretenimento e nos quais as histórias são quase acessórias.
Não que eu tenha gostado particularmente do filme. Os personagens não são simpáticos e não fiquei fascinado com a atuação de nenhum ator, mas chega a surpreender que um filme mais antigo do que eu ainda provoque em mim algum tipo de sentimento, mesmo estando completamente fora do contexto no qual foi filmado.
Isto se deve principalmente ao fato que o que realmente importa no filme é a temática universal. Trata de amor, relações familiares, conflito entre gerações, sentimento de pertinência, etc. Tudo tendo como pano de fundo a paixão de uma idosa pela vida e o fascínio de um jovem rapaz pela morte, que ao final da trama parecem se inverter.
Apenas o fato deste filme ter sido rodado já mostra o quanto o cinema mudou nestas pouco mais de três décadas que separam “Ensina-me a viver” de “A vingança dos Sith”. O primeiro só tinha a boa história a impulsioná-lo; nem a muleta definitiva para os chamados filmes sérios há, pois os atores do filme não são particularmente bonitos ou mesmo famosos. O segundo tem como principal atrativo os cerca de 90 minutos de efeitos especiais, além de elenco particularmente bonito e personagens muito, muito conhecidos.
Vivi durante toda a minha vida uma certa ditadura cinematográfica dos filmes para adolescentes, e não posso dizer que não aproveitei a fase quando era um (tendo inclusive Guerra nas Estrelas como um dos meus ícones), porém toda a ditadura cansa algum dia e não sei se é acaso minha saudade de filmes centrados na história, com os quais tive muito pouco contato.

sexta-feira, 13 de maio de 2005

E o casal Garotinho?

Bem, a justiça os declarou inelegíveis até o ano de 2007.
Isto cai como uma bomba nas pretensões de Antony de se candidatar como uma alternativa ao presidente Lula.
É verdade que isto é apenas uma decisão de primeira instância e muita água rolará ainda. Só que este fato pode acarretar em mais problemas para o governo no trâmite das leis no Congresso.
Visto como um opositor quase certo nas eleições do ano que vem ao atual presidente, sua saída pode facilitar as conversas para que o PMDB, que atualmente faz parte da base aliado do governo, se contente com o cargo de vice em uma coalizão com o PT. Só que a bancada peemedebista fluminense, que já é apontada como o grande empecilho para uma aliança, pode endurecer ainda mais as negociações.
Então ficamos com um quadro de melhoria para a reeleição de Lula e ainda maior instabilidade na suposta base aliada no Congresso.
O resultado? Será ver para crer.

Relembrando a escravatura

Neste 13 de maio, celebraram-se, e se celebrarão ainda, de muitas e variadas formas o término oficial da escravatura no Brasil. Há exatos 117 anos a Lei Áurea era assinada.
Muito já se falou, explicou, intuiu a respeito da motivação que levou a assinatura da lei, o mesmo valendo para as conseqüências dela. O fato é que hoje, 2005, vivemos em um dos países mais desiguais do mundo.
E muitos creditam ao preconceito racial esta desigualdade e pedem ações afirmativas para corrigir isto. Sou, a princípio, contrário a toda e qualquer ação afirmativa no Brasil, principalmente nos meios de admissão aos postos de serviço e de educação públicos ( ver o texto sobre política de cotas em http://eudiscordomesmo.blogspot.com/2005/04/poltica-de-cotas-raciais.html ).
Não acredito que a discriminação é um bom caminho para combater a discriminação. Acho até que ela é uma forma de acentuá-la. E quem aponta os Estados Unidos, berço das ações afirmativas, como exemplo deve verificar que os únicos locais onde os negros e latinos, as minorias discriminadas de lá, estão sobre-representadas são na prisão e no exército. Será que este negócio realmente funciona mesmo?
Isto não significa, porém que nada deve ser feito. A luta por mais justiça social deve ser de toda a sociedade, desde o mais rico até o mais pobre. É um dos paradoxos do capitalismo que ele funcione melhor em sociedade com grande equilíbrio social e de renda (aí quanto mais alta melhor), mas que tenda a concentrar a renda. É um sistema que tende ao desequilíbrio social e econômico intrinsecamente.
Mas, já que não se encontrou nada melhor para ser aplicado ainda, é com este sistema que vamos, e devemos tentar encontrar meios de deter esta tendência. Todos sairão ganhando, pois em casos de maior equidade há reflexos positivos no mercado de trabalho e menor tensões sociais.
E os melhores meios para deter, e às vezes reverter, esta tendência de concentração de renda parecem ser a educação e a democracia. Artigos que faltam no Brasil, senão na quantidade, na qualidade.
Então, espero que nos futuros 13 de maio se pense menos nas diferenças de cor de pele e mais em políticas de melhoria das escolas públicas e de captação para o voto e a função pública.

quinta-feira, 12 de maio de 2005

E aqueles que devemos seguir

A imprensa e os analistas já decretaram, devemos seguir o modelo chinês se quisermos ser alguma coisa na vida.
A principal prova é o assombroso superávit comercial que o país (China) tem, já que eles exportam mias de 500 bilhões de dólares e baseiam sua economia na exportação. Se tivéssemos o “grande” superávit que eles têm poderíamos ser então menos vulneráveis externamente. Seria verdade, caso não houvesse um pequeno detalhe, nosso superávit fiscal é maior do que o deles.
Não muito maior, é verdade; poderíamos dizer até que eles estão mo mesmo patamar, por volta de 30 bilhões de dólares. Na verdade, se eles ganham no volume de comércio, não são mais internacionalizados do que nós. Se utilizássemos um índice de comércio, como o fluxo internacional de mercadorias pelo número de habitantes, veríamos que um brasileiro tem mais peso proporcional que um chinês.
O que mantêm os superávits na balança de pagamentos em patamares assustadores – atualmente por volta de 80 bilhões anuais - é a retenção de dólares pela entrada de capital externo para o investimento em fábricas sobre domínio estrangeiro ou “joint ventures” com empreendedores locais.
Então se há um segredo a ser procurado na China não é no montante de exportações, é na atração e manutenção de investidores externos. É em procurar ajudar os empreendedores. É em não dificultar absurdamente a abertura de empresas; o que é feito aqui.
Em quase todo o resto, das mazelas às vantagens, já somos muito parecidos.

Até que enfim

Passados mais de dois anos de mandato, parece que finalmente o governo petista resolveu por as mãos na massa e passar a governar o país.
O marco pode ser o veto presidencial para o aumento dos salários dos funcionários do Congresso, baseados em uma possível inconstitucionalidade do aumento.
Por mais que fosse merecido o aumento, e não farei juízo de valor neste ponto, ele não com certeza a maior prioridade no momento. Mesmo porque os funcionários do Senado e da Câmara estão entre os melhor remunerados no país.
Ao desafiar os congressistas e os funcionários subordinados a estes, o governo Lula pode estar retomando o comando do país. Como é dito a muito, governar e estabelecer prioridades e, se quer ser reconhecido como um governo progressista, este que agora está no Palácio da Alvorada precisa perseguir as metas que ele próprio traçou durante a campanha eleitoral.
A este ponto ele já deve ter percebido que entregar parcelas do comando incondicionalmente para grupos de pressão não vai tornar estas metas mais próximas. Se a necessidade de uma coalizão de forças é clara; isto tem que ser realmente isto, não um amontoado de panelinhas que não se comunicam sob um pretenso controle do presidente.
O primeiro passo foi barrar este reajuste prometido pelos congressistas (os membros das casas onde o Governo tem teoricamente maioria e, portanto, deveria controlar as decisões que de lá saem). Se o congresso não consegue ajudar a implementação de projeto nacional que o PT tem, que o PT pelo menos tente impedi-lo de atrapalhar.

quarta-feira, 11 de maio de 2005

Memórias seletivas

Está havendo uma onda de pedidos de desculpa por parte de governos para com povos ou etnias.
Lula pediu desculpas pelo tratamento que os negros africanos receberam aqui, porém não o fez para com os índios.
Ocorreram pedidos de desculpas de uma série de atos, sendo os alemães os campeões de retratações, tendo inaugurado recentemente um monumento aos judeus. Mas ciganos e poloneses que pereceram na II Guerra aos milhões também não foram citados.
Os japoneses estão sendo criticados pelos chineses pelas conseqüências de anos de guerra e ocupações em seus territórios, e estão se recusando a aceitar a culpa.
Muito bonito no campo simbólico, mas não vejo o mínimo sentido nisto.
Todas as nações atuais, das mais primitivas às mais avançadas, construíram sua cultura, economia e raízes étnicas sobre os escombros de outras. Mesmo internamente ocorreram bilhões de atos de massacre e de exploração.
Por quê deve ser mais culpado Hitler do que Stalin perante os soviéticos se o primeiro causou menos mortes do que o segundo para o seu próprio povo? O mesmo acontecendo com relação aos japoneses e a revolução cultural chinesa, que causou mortes aos milhões - para retirar do seio chinês aqueles que tivessem inclinação capitalista, que tanto o Partido Comunista de hoje incentiva-, mudou-se a ideologia os crimes do passado perderam as forças?
Reavivar os atos passados, mesmo que pela forma de um pedido de perdão, tem mais valor como ato demagógico para com as vítimas do que qualquer outro.
O pedido de desculpas de Lula é um bom exemplo. A nação brasileira teve de fato suas bases construídas na escravidão negra, mas hoje grande parte dela é formada por descendentes destes escravos. Ficam então no papel de vítima e algoz.
Existem também aqueles que chegaram muito tempo depois da abolição; como por exemplo, os orientais que começaram a chegar ao Brasil apenas no século passado. São eles também culpados pelos atos pelos quais Lula pediu perdão?
Podemos ser responsabilizados apenas pelos atos sobre os quais temos possibilidade de escolha. A atribuição de culpa intergeracionais foi o motivo usado pela maioria dos atos mais brutais dos quais a humanidade tem notícia. O holocausto dos judeus talvez seja o exemplo mais eloqüente. Foi baseado fortemente no martírio de Jesus.
Ao tentarmos fazer agrados às vítimas de outrora podemos estar municiando os algozes de amanhã. E tudo pelo passado, que como diz o próprio nome, já passou. Pode ser estudado, mas não mudado. Pedidos de perdão não trarão ninguém de volta e não redimiram ninguém; por mais que manifestantes clamem por eles.

terça-feira, 10 de maio de 2005

Em vão

Ontem mais um aposentado morreu na fila de ambulatório. Não estava em atendimento. Estava apenas esperando sua vez para pegar uma senha e, quem sabe, receber atendimento médico. Certamente não foi o único aposentado a morrer ontem.
Semana passada trigêmeos morreram em um hospital em Marabá, em parte porque não havia UTI neonatal nele.Certamente não foram os únicos três bebês a morrer no Pará na semana passada.
O quê estes casos têm de especial então? Bem, nestes dois casos, além das mortes terem sido em vão, foi jogado dinheiro público pela janela também. Tudo pela lógica de poupar um pouco oferecendo um atendimento de má qualidade ou simplesmente omitindo o atendimento.
Antes de morrer na fila, o aposentado em questão havia, segundo foi noticiado, passado por dois atendimentos médicos em dois hospitais ou postos de saúde diferentes. Como não melhorou, resolveu tentar mais um. Não teve tempo, mas fica-se com a certeza de que algo errado havia no reino da Dinamarca.
Havia necessidade de passar por três diferentes atendimentos? Não sei, porém isto mostra que das duas uma: ou o serviço público de saúde estava desacreditado perante o aposentado ou os atendimentos haviam sido muito ruins.O fato é que ele está em vias de provocar a terceira consulta, o que acarretaria um custo de três vezes o que teria sido necessário para atendê-lo bem caso tivessem tomado este cuidado na primeira vez.
No caso dos trigêmeos, a mãe – uma adolescente, diga-se de passagem – foi surpreendida pelo tamanho da prole, pois não havia feito nenhum exame pré-natal. Caso tivesse feito todos os exames de praxe, que são obrigação legal do estado nacional prover, seria sabido que as crianças necessitariam de cuidados especiais, como a UTI neonatal. Como não haviam sido feitos, e a cidade onde foi feito o parto tríplice não possui uma única vaga deste tipo, as crianças faleceram.
É claro que em ambos os casos podemos dizer que ocorreu uma fatalidade e que os óbitos poderiam ter acontecido de qualquer forma, com ou sem atendimento médico adequado. Mas podemos certamente dizer que a omissão de um serviço público de qualidade causou gastos maiores do que o que teriam sido caso bem executados a priori.
Estes são casos isolados, porém certamente este desperdício é levado quase ao estado da arte aqui no Brasil.
Podemos citar as internações por desnutrição e doenças causadas por falta de saneamento. A tentativa de curá-las é provavelmente muito mais onerosa aos cofres públicos do que seria evitá-las pela via de acabar com a desnutrição e a contaminação. No caso do saneamento básico já li artigos nos quais os valores calculados são de quatro economizados para cada real investido.
Não precisamos nem falar que a qualidade de vida seria muito maior caso ocorressem estas práticas de se priorizar o primeiro atendimento bem feito e a prevenção.
Mas não precisamos nem falar também que muitas mortes em vão e muito desperdício de dinheiro acontecerão até que estas práticas sejam seriamente adotadas.

segunda-feira, 9 de maio de 2005

A semana da linguagem

Nossos governantes conseguiram esta semana que passou o que muitos acadêmicos das letras tentam há anos, colocar a língua portuguesa (ou seria brasileira?) no centro do debate jornalístico nacional.
Começou com Lula e o seu pedido de traseiros mais atuantes do que os que costumamos ver entre os correntistas de banco. Depois veio a cartilha de linguagem politicamente correta da Secretaria de Direitos Humanos. Seguiu-se do acidente horrível que escapou por entre os dentes de Severino Cavalcanti, sem falar da semivirgindade que ele acabou de inventar.
Mas ao contrário do que gostariam os acadêmicos, a coisa toda resvalou para a total galhofa. Daí a pessoas ficarem contrariadas por não se respeitar as autoridades. Outras indignadas por não se incorporar as “desenvolvidas” preocupações com a linguagem. Outras ainda felizes por ter mais uma piada pronta.
O colunista José Simão pôde finalmente ver impressa uma versão acabada da sua Cartilha do Lula (que já virou uma característica de sua coluna na Folha de São Paulo e de seu programa na TvUol). João Ubaldo Ribeiro teve amplo espaço para exercitar sua verve cômica com neologismos como gento e pessoo em sua coluna de O Estado de S. Paulo. Até colunistas estrangeiros meteram o bedelho.
Como se vê, a política nacional - e sua cobertura pelos meios de comunicação - chegou as raias da nonsense. Questões maiúsculas, como os trabalhos parlamentares suspensos na prática, são deixadas de lado para repercutir a uso de uma ou outra palavra mal-colocada.
No caso dos deslizes dos presidentes não há muito o que se falar. Mostra muito mais uma incapacidade de adequar a linguagem para uma grande diversidade de ouvintes do que qualquer outra coisa. Ambos falam como se estivessem em seus lares, não importando se para uma platéia de empresários, de sociólogos ou de sindicalizados. Vez ou outra escorregam termos que ferem ouvidos mais sensíveis. Os deslizes podem até ser utilizados pelos opositores, porém não passam de folclore.
No caso da cartilha é algo completamente diferente. Ela foi pensada por uma série de pessoas, durante um sem-número de horas e com uma profusão de dinheiro público. Foi lançada e rapidamente recolhida. O mínimo que se pode dizer a respeito dela é que se tratou de desperdício de verbas.
E o pior é que foi um desperdício baseado totalmente em idéias importadas dos Estados Unidos, que de grande inimigo externo da época de oposição passou a ser um modelo a ser seguido pelo governo Lula para suas políticas de inclusão social.
Vai lá, se os usos de palavras escolhidas a dedo tornassem os preconceitos sociais, raciais ou outrem qualquer menores, poderíamos até apoiar medidas como estas. Mas isso não ocorre, muito pelo contrário. Toda a palavra é carregada de um conceito anterior, logo um pré-conceito, senão não teria função alguma, sendo apenas um conjunto de sons. Ao querer forçar o uso de outras em lugar daquelas já consagradas pelo uso, só se conseguirá a explicitação dos conceitos negativos e a eliminação dos positivos.
Só quero saber pra quê?

sexta-feira, 6 de maio de 2005

Cruzada?

Hoje estreou mundialmente “Cruzada”, filme de Ridley Scott (“Kingdom of Heaven”, 2005). Não vi, mas uma coisa me intriga.
Pelo que tenho lido na imprensa, apesar de tratar de um embate entre as forças católicas e muçulmanas pelo controle de Jerusalém, o filme não trata de uma cruzada. Muito pelo contrário, seria no máximo uma anti-cruzada, pois os atacantes aí são as forças islâmicas comandadas por Saladino – que por coincidência nasceu na mesma Tikrit de Saddam Hussein. Até onde sei não foi motivada por motivos religiosos também, como era o caso das Cruzadas.
É verdade que o nome em inglês não faz menção ao termo, sendo que algum tradutor deve ter pensado que Reino do Céu não iria levar muitas pessoas para as salas de cinema. Porém o uso da palavra céu para descrever uma cidadezinha perdida no Oriente Médio já se faz pensar nas conotações religiosas envolvidas no filme.
No momento que se vive um embate entre parcelas fundamentalistas das duas religiões com mais adeptos no mundo, isto é ao mesmo tempo um chamariz fácil para vender ingressos e pode tornar-se mais uma fonte de atritos entre os “guerreiros” de fé. Como sabemos, quanto alguém quer brigar, uma olhada de lado é motivo suficiente.
Mesmo porque em um filme de duas horas e vinte e cinco minutos não se conseguirá mostrar as duas versões da história e, sendo um filme de guerra, alguém vai ser mostrado como o vilão. Sendo Orlando Bloom um reconhecido “mocinho” hollywoodiano, provavelmente o lado errado vai ser o vencedor; o muçulmano ou “de lá”.
Ridley Scott é um diretor já consagrado com sucessos como “Thelma e Louise”, “Blade runner” e “Gladiador” e não precisaria de um sucesso fácil movido pelo preconceito e sensacionalismo barato, mas se formos pensar logicamente, a guerra que exacerbou este conflito fundamentalista não teria acontecido também.
E $130 milhões (de dólares) podem fazer qualquer estúdio partir para a baixaria na tentativa de recuperá-los. Aproveitar as manchetes de uma guerra que está acontecendo neste momento com muçulmanos radicais tentando expulsar combatentes estrangeiros não seria a maior já cometida.
Ao apelar para um nome que expõe abertamente o conflito religioso da trama os tradutores brasileiros não dever ter sido francamente contra os estrategistas mundiais dos estúdios Fox. Ainda mais quando estão faltando com a precisão dos fatos históricos.
Quando estreou a 5 anos atrás, “Gladiador” trouxe de volta aos cinemas os épicos históricos que já haviam feito fortunas e construído carreiras dos estúdios americanos nos anos 50 e 60, como “Ben-hur”, que já renderam frutos com “Alexandre” e “Tróia” e neste “Cruzada”. “Paixão de Cristo” ressuscitou o cinema bíblico, que talvez teve seu melhor momento em “Os dez mandamentos”. Só espero que “Cruzada” não inicie uma onda anti-islâmica em uma indústria que é dada a modismos e simplificações.
Maniqueísmo é tudo que menos se precisa no mundo atual, já cheio de radicais para todas as matérias possíveis e imagináveis. As artes, que são a área onde isto menos vigora, não precisam de uma onda disso.

quinta-feira, 5 de maio de 2005

Caindo no bambu

Malandro é malandro e mané é mané, já dizia Bezerra da Silva, mas além de nascer de bigode o bom malandro sabe que não é em todo lugar que pode exercitar seus, assim digamos, dotes malandristícos. Para isso tem hora e lugar.
Meu amigo, o China, enunciou a Teoria da queda no bambu. Não há nenhuma conotação sexual aí, ele só demonstrou que a presunção, a inocência ou a ignorância – e certamente uma combinação delas – sempre leva ao desastre. O nome da teoria vem da experiência norte-americana na Guerra do Vietnã, na qual soldados equipados com o que de melhor havia na época (o que levava à presunção de vitória) e não-adaptados às condições da mata (inocência ou ignorância do que podiam encontrar) acabaram derrotados pelos nativos. É verdade que os nativos tinham um certo apoio logístico e de fornecimento de armas leves dos soviéticos, mas o que conta é que a nação norte-americana caiu no bambu, e alguns soldados também.
Voltando a malandragem, quanto mais malandra a pessoa - ou país - se acha, mais próxima está de cair no bambu. Vejamos, os países ricos criaram a OMC (Organização Mundial do Comércio) para regular o mundo, acreditando que por ter uma experiência maior em comércio exterior seria sempre vitoriosa dos contenciosos. Isso foi verdade por muito tempo, mas agora o jogo está começando a virar.
Ocorreu o contencioso do algodão. Estados Unidos contra uma série de países sub-desenvolvidos. Pela lógica os americanos iriam ganhar fácil. Não foi o que aconteceu, já perderam em última instância. Baaaammmmbu.
Daí veio o do açúcar. União Européia contra os grandes produtores mundiais que não utilizam o subsídio como forma de incrementar exportações (Brasil, Índia e Austrália principalmente). Europeus confiantes na vitória, mas... Outro baaaaaammmmbu.
Por que eu estou falando a respeito disso, você pode estar se perguntando? Bem, O Brasil está querendo por a as asinhas pra fora. Este governo está a cada momento tentando ser um protagonista maior da geopolítica internacional.
É a intervenção no Haiti, é a formação do grupo dos 20, é a organização do encontro de Cúpula Árabe-latino-ameircana, é, é, é ... é a tentativa de repentinamente abraçar o mundo.
Não que ser um protagonista seja ruim. Na maioria das vezes é muito bom. Todos os holofotes sobre você. É consultado sobre tudo. Tem mordomias. Mas, e há sempre os mas, tem também as responsabilidades, a diminuição da margem de erro, ser chamado a resolver os problemas alheios mesmo não tendo feito nada para criá-los.
É o se preocupar se também a política do Equador, como se a nossa já não fosse preocupante o suficiente.
E a cada momento estamos mais perto de ocupar a tão sonhada cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU (apesar de ainda estarmos bem distante). Já é hora de pensarmos o que faremos depois de sentar nela. Temos um plano para o depois? Será que estamos apenas correndo o mais rápido possível para tropeçar e acabarmos empalados em uma fossa com bambus?
Está na hora de provar que somos malandros e não manés.

terça-feira, 3 de maio de 2005

O problema é de demanda

Donald Rumsfeld (Secretário de Defesa dos Estados Unidos), em uma entrevista coletiva concedida ontem, falou o óbvio. Disse que o problema das drogas ilícitas que circulam pelo mundo não é só de oferta, é também de demanda.
Em outras palavras, ele finalmente reconheceu o que todos sabem. Não adianta mandar fuzileiros para erradicar plantações de papoulas no Afeganistão ou a força aérea pulverizar plantações de coca na Colômbia. Se os dependentes continuarem demandando as drogas, o máximo que ocorrerá é a mudança dos locais de plantação ou a substituição do tipo de droga usada por uma mais fácil aquisição.
Sendo que a demanda por drogas, lícitas ou ilícitas, nunca refluiu na cultura humana – até onde eu sei, pelo menos -, isto equivale a uma confissão de que não se sabe o que fazer para resolver o problema.
Eu sou pela liberalização geral. Não consigo entender porquê uma droga como a cocaína não é liberada e o álcool é. Ambas são potencialmente danosas para os usuários, ambas causam dependência e ambas movimentam fortunas. Só que uma pode levar o comerciante para a cadeia e a outra não.
Sou da opinião que o que causa mais problemas no caso das drogas ilícitas é justamente o fato de que elas são ilegais. O que faz com que se crie um mundo totalmente paralelo em volta do comércio, circulação e fabricação dos entorpecentes.
Sendo ilícitas, todas as fases envolvidas acabam por gerar mais crimes, em um ciclo que acaba necessariamente terminando em violência. Nenhuma das partes tem a possibilidade de reclamar seu direito na justiça, o que faz que as desavenças sejam resolvidas todas na força; quer dizer, na bala.
Cada novo ilícito gera uma infinidade de outros. Por exemplo, o dinheiro ganho na venda de drogas não pode ir diretamente para um banco ou qualquer outra instituição financeira, então tem que ser “lavado” ou “reciclado” (uso para financiar outro tipo de crime, como contrabando ou roubo a bancos).
Sem contar a desagregação social que uma indústria que não tem como se integrar causa. Os doentes (dependentes) têm dificuldades para conseguir tratamento, os “comerciantes” não têm nenhum tipo de suporte para a melhoria de seus negócios e os “funcionários” não têm nenhum tipo de previdência social para ajudá-los e aos seus familiares. Suporte que talvez nem seja mesmo necessário, a maioria não sobrevive o tempo suficiente para precisar de aposentadoria ou algo parecido.
E o produto comercializado não tem nenhuma garantia de segurança para o usuário, nem dos componentes da mistura nem das proporções. Podendo ser desde um placebo inócuo – a melhor hipótese – até um verdadeiro veneno.
Por tudo isso, acredito que seria muito mais prático para a nossa sociedade tentar integrar o comércio e o uso de drogas que hoje são ilícitas ao lado “visível” e cumpridor das leis do que ficar brandindo justificativas morais para segregá-los, enquanto outras drogas são largamente utilizadas, contando até com o incentivo das propagandas em TV.
Quando se obriga alguém a viver como um marginal, ele se torna um. Aí Inês é morta.

segunda-feira, 2 de maio de 2005

O salário de 100 dólares

Maio começou e com ele veio a realização de um sonho dos políticos, o salário-mínimo de mais de 100 dólares. Não vi ninguém pulando de alegria, nem chorando de tristeza, com a notícia. Talvez porque é muito cedo para fazer disto um assunto para palanque eleitoral. Se bem que certo como a chuva cai e o fogo sobe, isto será explorado no futuro.
Tão logo maio acabe, ou os ordenados do mês passem a ser debitados nas contas dos assalariados, veremos que uma das bandeiras dos economistas do governo passado não passavam de balela. A da desindexação da economia.
Apesar de ser muito menos do que foi no passado; a nossa economia é muito, mais muito mesmo, indexada ainda. Uma mudança do salário-mínimo causa uma onda de remarcações que abrange uma série de contratos, marcadamente os verbais, que regem a maioria das negociações nos rincões de nossa nação.
Em muitas partes do país, quase a totalidade dos assalariados é remunerada com derivados deste salário e também o são os aluguéis, as “penduras” nas vendas, as vacas, os bodes, etc. Isto ocorre devido ao salário-mínimo ser um índice que é entendido por todos, que está a disposição na grande imprensa e, mais importante, remunera a base econômica de uma parcela muito grande dos municípios brasileiros, os aposentados do INSS e os funcionários públicos.
Esta é a forma que a população menos abastada encontrou para negociar seus contratos e manter uma paridade de poder de compra estável durante o ano. Moldada na época de inflação explosiva que nos assolou até o início do plano real, a indexação automática de contratos foi, e ainda é, o grande inimigo do controle da inflação no Brasil. Não importavam quão duras fossem as medidas para combater as remarcações de preços, este fenômeno da indexação, que provocava o que os economistas chamam de inflação inercial, acabava por atenuar-lhes o efeito.
Os mais abastados utilizam o dólar, mesmo que esta prática tenha sido proibida por lei visando justamente diminuir o ímpeto da inflação inercial, o que compromete a economia como um todo. Por exemplo, o valor das mercadorias que o Brasil consegue exportar, como frango e soja, sofre grandes reajustes no mercado interno sempre o dólar se valoriza em relação ao real.
Hoje, além dos contratos indexados ao salário-mínimo, temos aqueles que se atrelam ao dólar, à IPCA, à TR e a um sem-número de outros índices Brasil afora.
E o mais estranho é que grande parte destes contratos são padrões da administração federal, que tem por obrigação tentar domar os reajustes de preços. Os preços administrados são, em sua maioria, calculados com bases em índices que levam não só a inflação, mas também o dólar como parâmetros dos reajustes aos quais as empresas têm direito de aplicar.
Os impostos têm também indexadores próprios que não variam apenas mensalmente, variam diariamente.
Com base nisto parece até piada que o governo central aplique taxas de juros cada vez maiores para tentar barrar a inflação, quando não terminou de aniquilar o item que mais interfere com a inflação em nosso país, a indexação. De muito mal-gosto, por sinal