quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O país não tem mais jeito mesmo

Um jornalista recebe um e-mail com dados supostamente de uma respeitada revista internacional e os publica como a prova "provada" de que o governo Lula é melhor do que o governo FHC, é desmascarado e sai-se com essa pérola, publicada no Blog do Noblat:
"Recebi os dados por e-mail e davam conta que eram da Economist. Realmente não me dei ao trabalho de ir na Economist e checar tudo. Mas, por outro lado, chequei os dados, fui em sites de pesquisa, blogs, no blog da Dilma, e vi que os dados eram verossímeis.
Por isso resolvi publicar o texto, pelo qual assumo toda a responsabilidade. O DIAP não tem nada com o artigo assinado por mim. Sou editor da Agência DIAP, institucionalmente, mas no caso do artigo a opinião é minha, não do DIAP.
Vou esclarecer o assunto, talvez num outro artigo. Vou falar que o mais importante para mim são os dados, que não são questionados. Todos estão questionando só a fonte, que para mim não é o mais importante.
Vou esperar um pouco para isso para não entrar no calor do debate. Vou esperar esfriar. Agora é hora de quem quiser dar sua opinião, concordando ou divergindo."
Um país no qual um sujeito como esse tal Marcos Verlaine, jornalista que publica coisas de ouvir falar sem checar se é verdade, pode declarar-se assessor parlamentar está mesmo perdido. Imaginem o que ele passa aos nossos representantes, coisas tipo - olha deputado, o Zé da Esquina prova por A mais B que a vida da nação piorou porque o pingado da padaria estava frio.
Mas o pior não é isso, é ir ao tal texto, já modificado, aparentemente, e ver as tais 20 comparações que apavorariam os tucanos, os "dados inquestionáveis". Cheguei à conclusão de que se estes dados não foram questionados é simplesmente porque ninguém da hoste inimiga achou-o digno de resposta, por totalmente irrelevante.
Sendo eu, também, um jornalista e analista político irrelevante procurarei demonstrar aqui os erros do artigo utilizando método igual ao de Verlaine, qual seja, de orelhada, tirando dados da minha cabeça.
Vamos lá, no meu primeiro vermelho-e-azul - em homenagem explicita a Reinaldo Azevedo:

Nos tempos de FHC, o Risco Brasil estava em 2.700 pontos. Nos tempos de Lula, 200 pontos.

Ou autor não sabe o que é Risco Brasil ou finge não saber. O tal índice é dinâmico, mostrando a propensão da dívida externa ser paga, demonstrada pelos detentores dos títulos, variando no tempo conforme os cenários políticos e macroeconômicos vão se apresentando. Tanto não existe um valor para os "tempos" FHC ou Lula quanto os pontos apontados erroneamente como síntese dos períodos não retratam uma média. Os 2700 pontos ocorreram quando ficou claro para os mercados que Lula seria eleito e os 200 quando esses se certificaram de que o bicho era feio, porém propagava uma política mais realista, ou "neoliberal", do que a do rei.

O salário mínimo quando Lula assumiu a Presidência da República, em 2003, estava em 64 dólares. Agora, está entre 290 e 300 dólares.


O homem é ruim de conta, o salário mínimo é, hoje, quase 269 dólares ou utilizando-se o câmbio apontado por Verlaine no "dado" seguinte, pouco mais de 261. Isso não é, no entanto, o pior, ele é ruim de lógica, ao querer comparar preços de dados que não são intercambiáveis com outros que são. Salários reais podem ser comparados apenas pelo custo de vida em dados momentos em dada localidade, do contrário trata-se apenas de curiosidade ao estilo Jack Palance.

O dólar que valia R$ 3, agora vale R$ 1,78.


Outra vez o desafortunado autor usa dados dinâmicos como se estáticos fossem. Durante o governo FHC o dólar variou de menos de R$ 1 a quase R$ 4, escolham o momento que mais lhe agradar para comparar.


FHC não pagou a dívida com o FMI. Lula pagou-a em dólar.


Dois fatos incontestáveis apresentados acima. FHC não viu necessidade de saldar uma dívida mais barata do que a interna, enquanto Lula resolveu trocar papéis externos mais baratos por internos mais caros, saldando uma dívida em dólar, a única forma de fazê-lo, diga-se de passagem, já que era essa a moeda em que ela estava escrita.


A indústria naval, tão importante para o desenvolvimento do País, FHC não mexeu. Lula reconstruiu.


Caso conseguisse mexer a indústria naval, FHC deveria candidatar-se a Deus, não a presidente. Caso opta-se em mexer na, escolhendo vencedores, pratica bem ao gosto dos "desenvolvimentistas", desperdiçaria milhões de reais e atrasaria o desenvolvimento da indústria petrolífera, como de fato ocorreu no governo Lula, no qual a curva do aumento da produção de petróleo inflexionou para baixo.


FHC não construiu nenhuma nova universidade. Lula construiu dez novas universidades federais. Quanto às extensões universitárias, no governo do tucanato não houve nenhuma. No governo Lula foram 45.

As escolas técnicas foram esquecidas na era FHC. Ele não construiu uma sequer. Lula construiu 214.


As duas comparações acima demonstram o quão desvinculado do meio educacional o autor é. Apesar de não dispor de dados sobre o número de escolas técnicas e universidades criados por cada um dos governos, sei que nem umas nem outras são construídas como a uma estrada, mas consolidadas com o trabalho de gerações. No caso das universidades esse é ainda mais visível, pois estas possuem autonomia formal e, uma vez criadas, caminham por suas próprias pernas.


No campo da economia, as reservas cambiais no governo FHC foram 185 bilhões de dólares negativos. No governo Lula, 239 bilhões de dólares positivos.


Definitivamente ele não sabe o que é um dado dinâmico e, pior, acredita haver reservas cambiais negativas. Tentando entender o incompreensível, e tomando por fluxos cambiais a ideia do que pretendia expressar Verlaine, ainda assim apresentam-se errados os números.


O crédito para o povo/PIB no governo tucano foi de apenas 14%. No governo Lula, com as políticas anticíclicas, alcançou 34%.


Não sei o que o autor chama de crédito para o povo, mas as políticas anticíclicas, aliás inexistentes, do governo federal não poderia ser responsável por algo que é da alçada privada, pois não há nenhuma ação governamental de emprestimo direto ao cidadão.


Em relação à infraestrutura, FHC não construiu nenhuma estrada de ferro. Pelo contrário, as privatizou. No governo Lula, três estão em andamento.


Até que se prove o contrário, o antônimo de construir não é privatizar ou mesmo vender. Apenas durante o período FHC as ferrovias voltaram, após um longo processo de abandono, a ter alguma importância no transporte de cargas brasileiro. Para isso, contribuiu, e muito, a privatização da Rede Ferroviária Federal.


Quando Lula assumiu o governo, 90% das estradas rodoviárias estavam danificadas. Agora, 70% estão recuperadas.



Dados simplesmente mentirosos, nem um nem outro dos percentuais apresentados conferem com a realidade.


No campo da indústria automobilística, na era FHC, 20% em baixa. Na era Lula, 30% em alta.



Sentença simplesmente ininteligível, alta e baixa em relação a que?


Nos oito anos em que FHC presidiu o País, houve quatro crises internacionais, que arrasaram o Brasil. Na era Lula, foi enfrentada uma grande crise, que o Brasil superou em razão das reservas acumuladas e das políticas anticíclicas empreendidas pelo governo.


O pobre jornalista deveria estar vivendo em outro país durante o governo FHC para imaginar o arrasado. Houve crescimento econômico em todos os anos daquele governo, ao contrário do ocorrido neste.


O cambio no governo FH era fixo, e estourou o Tesouro Nacional. No governo Lula é flutuante, com ligeiras intervenções do Banco Central.



Em nenhum dos dois governos houve câmbio fixo. Em ambos ocorreram tentativas melhor ou pior sucedidas de administrá-lo de intervenções do Banco Central.



A taxa de juros Selic atingiu na era FHC incríveis 27%. No governo Lula chegou ao seu menor percentual desde quando foi criada, em 1983, 8,5%.


Finalmente o autor dá sinais de que sabe que alguns dados são dinâmicos. É inegável que a taxa Selic atingiu patamares mais elevados durante o governo FHC, mas é também inegável, apesar de alguns tentarem, que foi justamente uma maior responsabilidade na condução da economia iniciada naquele governo, sem as famosas invencionices heterodoxas que prmitiram chegarmos aos níveis atuais de juros básicos.



A mobilidade social no governo tucano foi de apenas 2 milhões de pessoas. No governo Lula, 23 milhões de pessoas saíram da linha de pobreza.


Essa tal linha deve ser muito extensa para comportar mais de 23 milhões de pessoas. Ajudaria muito à clareza do texto se o autor informasse para qual lado foi essa mobilidade e de onde retirou tais dados.



FHC criou apenas 780 mil empregos em oito anos. Lula criou 12 milhões.


Mais mentiras puras e simples. Com milhões de jovens chegando ao mercado de trabalho atualmente, qualquer governo que criasse apenas 100 mil empregos por ano causaria descontentamento social incontrolável, que, como sabemos, não ocorreu.



O governo tucano nada investiu em infraestrutura. Com o PAC Lula pretende investir R$ 504 bilhões até 2010.



O Congresso em Foco já demonstrou que essa mentira é mentira.


Por fim, no mercado internacional, o Brasil, no governo FHC não teve crédito. No governo Lula, o País foi reconhecido como investment grade pelas três maiores agências de classificação de risco internacionais. Ou seja, deixamos de ser um país em que o capital externo só entrava para especular para ser um país de investimentos.



Será que ele esqueceu que durante o governo FHC ocorreram, para dizer o mínimo, as compras, por parte de empresas estrangeiras, de milhares de empresas brasileiras. Esse foi um fato que causou comoção entre os esquerdistas saudosos de Vargas, mas que demonstra o quanto o autor está errado.


Confesso que contei várias vezes, mas não encontrei a vigésima comparação. Deve ter ficado com vergonha de sair da mente do autor. Algo ali dentro ainda tem um pouco de bom senso.

2 comentários:

Danilo Balu disse...

Parabéns!!

petrafan disse...

parabéns ao quadrado. desculpe por não ter citado a fonte.