quinta-feira, 2 de junho de 2005

A pátria e outras péssimas invenções

Ontem, revendo Doutor Jivago (Doctor Zhivago, 1965), fiquei matutando sobre a essa invenção moderna que tanto maus-feitos trouxe para o mundo: a pátria. Para não pensarem que estou louco, ao associar um filme que fala de amores a este tema, o pano de fundo para os romances de Jivago é a Rússia do período revolucionário do começo do século passado.
Até bem pouco tempo, a espécie humana tinha apenas as relações culturais a definir quem era quem. Assim, se eu nascesse em uma família cigana, seria cigano, não importava onde ocorresse o parto. E teria o mundo como lar, livre para me mover enquanto meus meios me permitissem.
Mas em algum ponto da idade moderna surgiram os estados-nação e com eles o patriotismo, as guerras territoriais, o colonialismo, etc, etc, etc.
Não que estas coisas tenham nascido todas juntas e que antes não ocorressem guerras, dominações e sentimentos de posse e pertencimento a certas localidades, porém os estados-nação potencializaram muito todas estas coisas. Antigas fronteiras territoriais incertas e porosas passaram a ser motivo para disputas sangrentas. Locais de nascimento passaram a dizer muito sobre o caráter das pessoas, ao menos nas visões de não compatriotas. Terras sem monarcas, ou sem os mesmos “fortes”, passaram a ser vistas como terras-de-ninguém.
Ou seja, os estados-nação, apesar de serem vistos hoje como uma coisa natural como o ar - ou a maconha, segundo alguns cantores – foram uma das muitas invenções que trouxeram o desastre ao homem como espécie.
Sem ela, seguramente não haveríamos alcançado nunca este estágio de desenvolvimento no que menos é necessário: a industria armamentista. E provavelmente não teríamos estas injustiças regionais que nos assolam neste início de milênio.
O certo é que a naturalidade deles está apenas na cabeça de alguns. Na nossa, com certeza, uma vez que a nação brasileira e a pátria brasileira foram criadas juntas, evitando a dualidade das idéias, e para nós nacionalismo e patriotismo são sinônimos perfeitos e devem ambos ser incentivados.
Mas pergunte a um tuareg do Saara, ou a um czágo morador da Moldávia, ou ainda a um txucarramãe da Amazônia qual é sua pátria. Se ele conseguir entender a questão, e utilizar o nosso conceito de pátria, provavelmente a resposta não será a esperada.
Nestes tempos de globalização que, descontando-se a tecnologia, já foi muito maior no passado, o desmonte das pátrias deveria ser o projeto mais buscado por todas as pessoas. Os votos não contra a constituição européia da França e da Holanda mostram que esta é uma idéia que ainda não foi encampada pelas maiorias.
Se algo pequeno como a constituição da Europa não consegue ser implementada, imaginem uma globalização de fato.

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